sexta-feira, 11 de abril de 2008

No Futebol, a Batalha dos Direitos

No Futebol, a Batalha dos Direitos
Luiz Gonzaga Belluzzo
De São Paulo (SP)

"Sou homem e nada do que é humano me é estranho." (Homo sum et nihil humani a me alienum). A sabedoria dos soberbos trata a questão humano-futebolística com desdém. Terêncio e o maior admirador de sua frase não fariam cara feia diante da polêmica travada em torno do local do segundo jogo da semifinal do Paulistão.

Avaliada sob escrutínio dos critérios e valores da vida moderna - aqueles que felizmente sobrevivem aos freqüentes soluços da barbárie - a controvérsia político-esportiva foi, no mínimo, pedagógica em seu significado. O desenvolvimento do conflito de opiniões, os pronunciamentos das autoridades, as críticas da mídia permitiram perceber que, entre o palestrinos, a questão crucial era a do reconhecimento de seus direitos. O Palmeiras nada mais fez do que assegurá-los. Ponto, parágrafo.

Fosse o gesto palmeirense interpretado como uma "vitória" na "guerra dos bastidores", alcançada com o recurso da mobilização de autoridades, não valeria a pena. Nada valeria, porque, então, a alma seria pequena. O uso secular do "cachimbo oligárquico" deixou torta a boca da turma habituada a tramar ardis nos subterrâneos da política para ganhar "fora do campo" e massacrar o direito dos adversários. Remember 1942.

Rejeitamos a "batalha dos pistolões". Travamos uma guerra de argumentos, como cabe aos humanos que aceitam as regras do debate civilizado e desimpedido, sempre admitindo que os resultados possam contrariar nossos interesses mais imediatos. A chamada "mídia palestrina" compreendeu que o direito de disputar um dos jogos da semifinal no Palestra não garante a vitória sobre o São Paulo. Apenas estabelece o princípio básico da disputa esportiva moderna: a igualdade de condições entre os competidores.

Nos sites e blogs palestrinos espalhados na Internet, em muitos deles, percebo esse espírito de resistência, a recusa à submissão diante dos poderes que não querem ser interpelados e muito menos contrariados. Não importa se tais poderes estão abrigados no aparelho de Estado ou submersos na maquinaria das grandes empresas de comunicação. As prepotências da superioridade presumida e da espetacularização midiática encontram, agora, resistência na obstinação dos blogs e sites comprometidos com o esclarecimento de seu público torcedor.

Se o assunto é futebol, certa dose de maniqueísmo é quase inevitável. Mas há que conter os exageros. A maioria, no entanto, sem as pretensões dos "eleitos do saber e da opinião", ao falar do jogo da bola e de seu clube protagoniza a luta pelo reconhecimento de sua condição de indivíduo livre e sujeito de direitos.

Há quem diga que o Brasil, ao promulgar a Constituição de 1988, entrou tardia e timidamente no clube dos países que apostaram na ampliação dos direitos e deveres da cidadania moderna. É uma avaliação equivocada. Submetidos ao longo de mais de quatro séculos, à dialética do obscurecimento, aos paradoxos grotescos que regem a vida política e as relações de poder numa sociedade de senhoritos e seus asseclas, os brasileiros começam a desenvolver a autoconsciência própria do indivíduo moderno.

http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2737568-EI8212,00.html